domingo, 14 de agosto de 2011

Dia dos pais

A casa entrou em estado de fertilidade! Os cachorros apostavam campeonatos de corrida entre si, a tampa do forno não parava de abrir para cuspir os mais diferentes pratos, e até tia Claudete – a velhota loira, despenteada, que sofre de alzeimer – sabia o que todos comemoravam: era dia dos pais.

Eu só não compreendia porque tanto alvoroço. Será que eu era a única naquela casa a perceber que éramos órfãos de um pai vivo? Minha mãe temperava o porco que havia comprado no dia anterior com bastante entusiasmo, caprichosa como toda boa escrava de casa (dona ela nunca foi, coitada). Para ela, o porco era uma forma de homenagear meu pai. Para mim, meu pai era o próprio porco.

Analisando hoje cedo, percebi que de todas as pessoas da minha família, tia Claudete é a que menos tem problema de memória. Vejam isso: minha irmã mais velha fez questão de ser a primeira a entregar o presente que havia comprado para o Sr. Feudal. Pelo visto esqueceu os nove anos que ele passou fora de casa, como que um foragido, sem nunca mandar pra gente uma noticiazinha sequer. Ela já não lembra que foi obrigada a perder a adolescência inteira para se transformar em meu tutor, trabalhando dia após dia para que o básico não me faltasse. Ela esqueceu que além de pai, também fora obrigada a exercer o papel de médica plantonista dentro da nossa casa, divagando em plena madrugada pelos corredores, cuidando das pacientes que mais amava: minha tia e minha mãe, que teve forte depressão com a saída repentina do marido.

Incrível como uma única data é capaz de limpar a sujeira espalhada pelo decorrer de tantos anos. Hoje, no café da manhã, fiquei olhando para aquele homem sentado à mesa, dando ordens como um Rei a seus serviçais, impondo suas preferências que deveriam ser acatadas por todos. Quem disse que eu gosto de carne de carneiro? Não poderia ser galinha à cabidela? Eu não quero fazer medicina, tenho horror à advocacia! Os olhos dele em algumas frações de segundo se encontravam com os meus, como se me lessem. Mas eu não podia ser lida. Não por aquele sujeito. Aflita, terminei de comer o mais rápido que pude, cabeça baixa, saindo da mesa na tentativa de deixar para trás o homem que nada representava pra mim.

Na pressa de entrar no quarto, bati o joelho com muita força na quina do centro da sala. Odeio aquele maldito centro. Centro deveria chamar obstáculo ou mostruário de enfeite brega. Nunca esqueci a vez em que eu, com apenas quatro anos, bati a cabeça e machuquei a boca naquele móvel inútil. Lembro até hoje a dor monstruosa que senti e que só diminuíra com a chegada do meu pai, que preocupado, correu até a geladeira e encheu uma bacia com pedras de gelo. Eu, manhosa que era, fazia questão de chorar ainda mais alto só para vê-lo preocupado comigo. “O que fizeram com a minha princesa?”, perguntava ele num tom entre o amável e o aflito, enquanto as lágrimas lavavam meu rosto. Jeitoso, ele sentou no sofá, me pôs em seu colo, e com um pano enrolado em um cubo de gelo, ficou anestesiando meus lábios sem saber que, no fundo, estava anestesiando a vontade de tê-lo bem pertinho de mim...

sábado, 13 de agosto de 2011

Boca Engatilhada

Este é o Atelier de Ilusões. Uma vez que minha cabeça há um bom tempo está abarrotada, decidi criar um depósito em que eu ou possa ir transferindo as "coisas" que já estão saindo pelas paredes do meu corpo - tamanho aperto! Espero que agora, com a criação deste espaço, volte a me sentir arejado e leve. Não desejo que você goste do que encontrar por aqui. Mas se gostar, pode ir me ajudando a organizar o ambiente, por favor? A começar por este texto que lhe trago hoje, "Boca Engatilhada":